Dhi: como uma das terapias da mente do Ayurveda pode nos ajudar a ter uma vida mais equilibrada
Por Alice Azara, da equipe de Escrita do Vida Veda
“Todas as três principais terapias para a mente passam muito pelo Pilar do Silêncio.”, afirma o vaidya Matheus Macêdo. É comum prestarmos atenção às famosas terapias ayurvédicas que se preocupam com o tratamento de doenças do corpo e de desequilíbrios dos doshas vatta, kapha e pitta, mas é raro falarmos dos doshas da mente e, principalmente, dos tratamentos prescritos pelos Samhitas para os desequilíbrios possíveis nesses doshas.
Primeiramente, de acordo com o Ayurveda, existem dois doshas da mente: rajas e tamas. Em caso de desequilíbrios e agravamentos nestes dois doshas, o livro Ashtanga Hrdayam, no Sutrasthana 1:26, recomenda três principais tratamentos: dhi, dhairya e atma divijnanam.
“Esse sloka é tão interessante quanto mal compreendido. [O tratamento de doenças mentais] é um dos conceitos basilares do conhecimento da fisiologia e do tratamento ayurvédicos e as pessoas muitas vezes se confundem, não sabem como aplicar isso ou não sabem entender.”, comenta Matheus.
Nos próximos textos trabalharemos cada um desses tratamentos, entendendo o que são e como são colocados em prática. Neste texto, falaremos um pouco mais sobre o primeiro deles: dhi, também conhecido como “discernimento”.
De acordo com o vaidya, o discernimento é a primeira e mais importante terapia mental, pois é apenas a partir dele que a pessoa será capaz de compreender o que é ou não é importante em sua vida; o que é saudável e o que não lhe faz bem e o que é verdadeiro e o que é de mentira.
“Literalmente, a palavra dhi é traduzida como ‘inteligência’, como ‘compreensão’. Você também encontra em alguns dicionários a tradução como ‘devoção’, ‘prece’ ou ‘meditação’.”
Matheus também explica que se a pessoa está com problemas de desequilíbrio de rajas e tamas, umas das maneiras de equilibrar esses doshas é através da compreensão: “Talvez esses doshas estejam desequilibrados porque a pessoa está com dificuldades de compreender a realidade de forma apropriada ou de forma objetiva. Então, através de uma melhor compreensão da realidade, os doshas vão se acalmar.”

Entendemos até agora como isso se dá no que diz respeito aos doshas, mas de forma mais prática, como isso ocorre no nosso dia a dia? Imagine que você passou por um dia estressante no trabalho e, mesmo após tudo ser resolvido, o estresse permanece. E, no dia seguinte, aquele evento estressante continua a incomodá-la, aquela tensão permanece no fundo da sua mente.
O discernimento serve, nesse caso, como uma ferramenta para medir o que de fato é importante e o que deve ser deixado para trás. A compreensão da realidade nos ajuda a questionar: esse evento foi realmente tão importante assim? O impacto que ele teve na minha vida é tão grande ou estou aumentando a relevância dessa questão e me apegando a algo que eu devia só deixar passar?
Essa prática diária de dhi é essencial para conseguirmos evitar o acúmulo de estresse em nosso corpo e mente que, como vimos no texto anterior, poderá causar desequilíbrios e doenças em nosso sistema ao longo do tempo.
Para o Vd. Matheus, implementar o discernimento em nosso dia a dia é como decidir entre talhar uma pedra ou deixar uma marca na areia: “Quantos eventos que acontecem na nossa vida que a gente vai marcando todo dia na pedra? E tirar marca de pedra é um horror. Se todo dia você consegue passar seu dia e consegue desobstruir o estresse físico e zerar o estresse mental, você fez uma marca na areia. A primeira onda que passar, já não tem mais marca nenhuma.”, conta o vaidya.
“A diferença da marca que você faz na areia, que é leve, e a marca que você faz na pedra, que é profunda, é o discernimento.”

Da mesma forma, o discernimento pode ser usado para encontrar a solução ou a raiz de problemas que enfrentamos na nossa rotina. E é dessa maneira, principalmente, que a terapia de dhi é aplicada na prática clínica dos médicos ayurvédicos. Matheus explica ainda que, diversamente do que possamos imaginar, a terapia de dhi não é um remédio a ser prescrito, mas uma prática muitas vezes aplicada no diálogo entre médico/terapeuta e paciente: “Eu vejo que a pessoa está cometendo um erro de discernimento e eu tento iluminar pedagogicamente qual é o erro. E aí, muitas vezes com a minha analogia ou com a explicação, a pessoa entende que o que ela está fazendo não faz sentido.”
Mesmo por meio de uma conversa, a chave para o discernimento continua sendo a boa e velha auto-observação. E, no campo individual, o Pilar do Silêncio é o melhor mecanismo para encontrarmos esse lugar de conexão com a realidade, de compreender nossos valores, de ponderar sobre a importância de cada coisa em nossas vidas e definir o que de fato deve ser carregado com zelo e o que devemos simplesmente deixar ir.
Revisão: Elisabete de Carvalho Sposito